Ocorre, por vezes, que os fornecedores, no mercado de consumo, “nos forçam” a mão, pondo à disposição de cada um bens não solicitados e, depois,… “lá vem cifrão”!
Importa revelar o que dizem uniformemente as leis a propósito de produtos e serviços não solicitados, ante os desvarios e as aberrantes interpretações que tendem a fazer “escola” entre nós...
A regra é simples: “não se paga o que não tiver sido solicitado!”
Houve para aí uma editora, instalada cerca de Lisboa, a remeter enciclopédias de cozinha a pessoas do sexo feminino, sem que a houvessem contactado para o efeito. Depois, exigia o pagamento de forma insistente, ameaçando-as com o balcão nacional de injunções para a cobrança da pretensa “dívida” com todas as alcavalas possíveis…
Repare-se no que diz a LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR (n.º 4 do art.º 9.º) a este respeito:
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
Municípios (empresas municipais, empresas concessionárias do serviço de distribuição predial de água…) há que obrigam os consumidores a celebrar contratos de fornecimento de água. Sem apelo nem agravo…
Ora, tal poderia parecer cabível nas suas atribuições e competências (nos regulamentos municipais).
Mas, ao fazerem-no, violam patentemente a lei.
No que toca a SERVIÇOS PÚBLICOS e ao mais é a LEI DOS CONTRATOS À DISTÂNCIA a prescrevê-lo (art.º 28):
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”
A Lei das PRÁTICAS DESLEAIS reforça-o de forma impressiva (art.º 12):
“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:
…
f) Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado...”
Instituições de crédito há que remetem sistematicamente aos consumidores cartões de crédito e ou débito e por eles cobram de imediato anuidades de montante variável.
Até connosco tal sucedeu recentemente com um pretenso cartão “prestige” (não solicitado, pois).
No particular dos SERVIÇOS FINANCEIROS À DISTÂNCIA, destaque, entre outros, para a remessa de cartões de crédito e ou débito não solicitados (art.º 7.º)
“1 - É proibida a prestação de serviços financeiros à distância que incluam um pedido de pagamento, imediato ou diferido, ao consumidor que os não tenha prévia e expressamente solicitado.
2 - O consumidor… não fica sujeito a qualquer obrigação relativamente a esses serviços, nomeadamente de pagamento, considerando-se os serviços prestados a título gratuito.
3 - O silêncio do consumidor não vale como consentimento para efeitos do número anterior.
4 - ...“
Na maior parte dos restaurantes não aprenderam ainda: e vai daí… servem o couvert e outros aperitivos sem que os consumidores o solicitem e cobram “pela medida” grossa.
É questão de cultura empresarial. De nada custa ao empregado de mesa abeirar-se dos consumidores e perguntar se são servidos dos pitéus que levam em mão. Tão simples quanto isso. O “empontarem” o couvert, os aperitivos e o mais antes de servida a refeição ou de feitas as escolhas e, no final, apresentarem à cobrança tudo isso, constitui ilícito de mera ordenação social passível de coima e de sanções acessórias.
É, por último… no tocante aos restaurantes, a LEI DO EXERCÍCIO DE ACTIVIDADES DE COMÉRCIO, SERVIÇOS E RESTAURAÇÃO (art.º 135) a dizê-lo:
“…
3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou [se] por este for inutilizado.”
E para a violação de cada um dos preceitos a lei comina coimas e sanções acessórias de montantes variáveis.
EM CONCLUSÃO:
Nos ordenamentos civilizados, defende-se o consumidor, impedindo-se que pague pelo que lhe é impingido sem que haja manifestação sua no sentido da compra ou retirando-se do seu silêncio o consentimento não dado.
Quem não percebe isto, não sabe o que está em causa.
Isto resulta das leis de forma inequívoca!
Não é de levar a sério uns “pândegos” que por aí passeiam a sua importância e lêem a lei às avessas e que, no caso do “couvert”, entendem que se o consumidor comer, paga… Porque “comer sem pagar”, argumentam “mui doutamente”, pode constituir abuso de direito!
Produtos e serviços não solicitados? Não pagamos, não pagamos…É reclamar! É reclamar!
* director do CEDC – Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbrapresidente da apDC – associação portuguesa de DIREITO DO CONSUMO