Falemos de uma das personagens principais nos dias que vivemos: a máscara cirúrgica. A máscara não serve apenas para nos proteger. Esquecendo as incongruências e a divisão no seio científico sobre a sua eficiência, elas fazem mais que isso. Para além de dificultarem a oxigenação, também complicam a identificação das pessoas. No aeroporto, por exemplo, pedem para baixarmos as máscaras de modo a provarmos que somos nós, isto é, que a nossa face coincide com a fotografia no cartão de cidadão, antes de passarmos a porta de embarque. Durante esses dois segundos, é mais importante mostrar a nossa cara do que infetar ou sermos infetados por alguém.
As máscaras despersonalizam as pessoas. Tornam-nos como o vírus: impessoais, anónimos. A máscara sob a máscara, e sobre ambas o medo dos que sempre o tiveram e o receio dos que o aprenderam a ter, seja pelo vírus que só as zaragatoas tocam, seja pelo outro, o que vai alastrando nas carteiras cada vez mais vazias.
Por enquanto ainda preciso de baixar a máscara para provar que sou eu, qualquer dia apenas me conhecerão com a máscara posta. Os hospitais cheios, os restaurantes fechados, as pessoas em casa. É na cabeça que o covid mata mais. O pandemónio da pandemia. Não sei se vamos ficar todos bem, sei que muitos de nós ficarão sem trabalho, dinheiro, saúde. Li algures uma frase que me parece resumir os tempos que vivemos: a pandemia dos assintomáticos.
Peço que não me interpretem mal, é óbvio que eu defendo medidas profiláticas para nos protegermos e, sobretudo, protegermos os mais frágeis. E reconheço que não sou nenhum perito, longe disso, e é preciso ouvir os especialistas. Mas tenho escutado vezes de mais o apelo a que os comentadores se abstenham de falar sobre o assunto, como se o mesmo apenas estivesse reservado aos peritos. E com isto não posso concordar. As pessoas não precisam de ser avisadas de que têm de filtrar a informação a que têm acesso. Podem não concordar, responder e até desconstruir argumentos falíveis, mas não podem impedir os líderes de opinião de referir o assunto que, diariamente, nos entra pela casa adentro.
Estamos todos apreensivos, uns porque temem contrair o vírus, outros porque receiam contrair dívidas impagáveis. Seja por que motivo for, todos temos razões mais que suficientes para falarmos sobre a doença que pôs a sociedade do avesso. Só assim nos daremos a hipótese de melhorar o nosso ponto de vista. Pessoalmente, informo que falarei pouco do tema neste espaço, mas tinha de dedicar pelo menos uma crónica ao mesmo, até porque estive uma semana nos Açores e vi de perto o desespero em muitos empresários, que em muito fez lembrar o meu Algarve.
O que podemos fazer? Aproveitar o tempo livre para melhorar capacidades, ler, absorver conteúdos online, praticar exercício físico, estar atentos a possíveis oportunidades. Tirando isso, resta-nos usar as máscaras: o escudo (também) psicológico para um inimigo que só se vê em laboratórios, praticando o distanciamento social, e aguardar que isto passe.
Estamos todos no mesmo barco. Só espero que o seu nome não seja Titanic. Ainda assim, haverá sempre os que têm lugar nos botes salva-vidas.
* Escritor e Poeta