Assisti na última sexta-feira (5 de março) a uma notícia na TVI, no mínimo, curiosa. Falavam do youtuber português Windoh, Diogo Silva, e do curso sobre criptomoedas que promoveu, e que terá lesado pouco menos de duas dezenas de pessoas no valor de seis mil e quatrocentos euros. Foi hilariante e assustador. O foco da notícia não era propriamente o youtuber, mas a Bitcoin. Sobre a criptomoeda disseram muitas verdades, que era descentralizada e não dependia de nenhum banco, e que as pessoas não poderiam recorrer a qualquer tipo de ajuda, caso perdessem todo o seu dinheiro. Coisas que, no fundo, qualquer pessoa que queira investir nas criptomoedas tem de saber. Mas não foi o que disseram que me captou a atenção, foi a forma como disseram, num tom de aviso: “não digam que não vos avisámos, a Bitcoin não é segura, é coisa de gente maluca”. Levar à televisão uma burla de seis mil euros (que nem burla foi, na verdade) é risível. Se queriam investigar burlas a sério relacionadas com mercados, bastava olharem para os cursos online sobre Forex, que pululam pela internet, e faturam milhares. Contudo, visto que a mesma aconteceu no espaço das criptomoedas, não podia passar em branco.
Há pouco mais de uma semana, o Banco de Portugal (BdP) emitiu um comunicado com o mesmo objetivo: o de descredibilizar estes ativos virtuais. Eis algumas das coisas escritas então:
- “não existe, atualmente, qualquer proteção legal que garanta direitos de reembolso ao consumidor que utilize ativos virtuais para fazer pagamentos”;
- “a maior parte dos ativos virtuais está sujeita a uma enorme volatilidade”;
- “o utilizador de ativos virtuais pode perder grande parte ou a totalidade do capital investido”;
- “as transações com ativos virtuais podem ser utilizadas indevidamente, em atividades criminosas, incluindo de branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.
Esta última afirmação, então, é absolutamente deliciosa. Associar as criptomoedas com atividades criminosas num mundo onde existem os dólar e o euro é simplesmente querer confundir e assustar as pessoas, para além de evidenciar um nível se cinismo preocupante. Quanto aos outros, limitam-se a chamar de pacóvios aos que decidem investir neste mercado, num paternalismo atroz e sufocante.
Esta gente dos bancos centrais tem muitos dados
Meus senhores e minhas senhoras, não sejamos crédulos. Esta gente dos bancos centrais tem muitos dados, e sabem bem a quantidade de capital que está a ser retirada do sistema e alocada em ativos digitais. Eu acredito que, eles próprios, já se começaram a expor a estes ativos. A economia está a dar sinais alarmantes, e seria precisa uma incrível dose de ingenuidade para acreditar que estas instituições estão a zelar pelo nosso bem-estar. Vinte por cento de todos os dólares em circulação foram criados em 2020, por cá fala-se da bazuca europeia, a crise das dívidas soberanas está a atingir o seu paroxismo (sobretudo nos EUA), o perigo real da inflação, que já se começa a sentir, ameaça fazer ruir, mais uma vez, a economia, levando consigo os mais pobres, que não conseguem cobertura perante estes ataques. Ou melhor, não conseguiam, até há bem pouco tempo. E aí é que está o problema (ou a solução): existe muito pouco que o BdP possa dizer que assuste essas pessoas. O dinheiro não está seguro na Bitcoin? Estará mais seguro no BES? Talvez no BPP? Quem sabe no BANIF? E quanto à inflação, quase nunca acompanhada pela subida dos salários, resultando numa efetiva perda de poder de compra, e fruto de um potencial infinito de criação de mais moeda (ao contrário da bitcoin, que tem um número limite de 21 milhões)? Estes avisos e notícias começam a nascer do desespero. O sistema precisa destas pessoas, é sobre elas que assenta. Sobre os impostos cobrados ao simples trabalhador, sem forma de fugir, sobre as poupanças a prazo destas pessoas, o combustível para os investimentos e créditos bancários. O que fazer se estas pessoas começarem a ver uma alternativa à ditadura económica?
Não sou conselheiro financeiro, nem tenho qualquer atividade relacionada nessa área, apenas constato um facto, que foi o mesmo que me levou a investir em criptomoedas. Não digo que seja solução para tudo, mas ao menos não é parte do problema. E confesso que, quanto mais artigos e notícias saem sobre este tema, com recurso a falácias e argumentos arcaicos, mais optimista fico em relação à Bitcoin. Parece que temos aqui uma oportunidade para ripostar, após séculos de controlo e centralismo monetários, e de tentar recuperar as nossas independência e liberdade financeiras. E isso assusta muito quem necessita que acreditemos que só o euro e o dólar são verdadeiras moedas.
Confesso-vos: só pelo cagaço que estamos a pregar e pela possibilidade de sonhar com um mundo diferente, já vale a pena ser detentor de bitcoin. Esta é a nova forma de nos revoltarmos contra a tirania dissimulada de progresso. E eu quero fazer parte do movimento.
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* Escritor e Poeta